Reforma Tributária e Terceiro Setor: Desafios e Oportunidades para as Entidades Sem Fins Lucrativos
Por Felipe Zalaf, sócio e Lais Longo, advogada
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15/07/2024 14h28
A Reforma Tributária é um tema recorrente e de extrema importância no cenário fiscal e econômico do Brasil. As novas normas introduzidas pela reforma tributária, por meio da EC nº 132/2023, serão implementadas de forma progressiva a partir de 2026, cujas as principais alterações são relativas ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará os impostos sobre o consumo de bens e serviços antes de responsabilidade estadual (ICMS) e municipal (ISS), e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá as contribuições sociais PIS e COFINS de competência da União.
Entre suas diversas implicações, as mudanças propostas pelo projeto e convertidas na Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 impactam nas atividades das entidades do Terceiro Setor.
As entidades do terceiro setor no Brasil, compostas por organizações sem fins lucrativos que atuam em prol do bem comum, desfrutam de um regime tributário diferenciado que inclui a imunidade tributária. Essa imunidade, prevista na Constituição Federal de 1988, visa incentivar e fortalecer o trabalho dessas entidades, reconhecendo sua importância para o desenvolvimento social. A imunidade abrange impostos como Imposto de Renda, IPTU, IPVA e outros, desde que a entidade atenda a requisitos específicos, como a ausência de fins lucrativos e a promoção de atividades de interesse público. Contudo, a imunidade tributária para o terceiro setor não é automática nem abrangente. As entidades precisam solicitá-la junto aos órgãos competentes e comprovar o cumprimento dos requisitos legais, como a natureza não lucrativa de suas atividades, a aplicação integral dos recursos em projetos sociais e a inexistência de distribuição de lucros ou vantagens a seus membros. Além disso, a imunidade não se aplica a todos os tributos, sendo necessário analisar cada caso individualmente. A legislação brasileira, em constante aprimoramento, busca equilibrar o incentivo às atividades do terceiro setor com a necessidade de garantir a justiça fiscal e evitar desvios de finalidade.
A imunidade tributária existe, portanto, porque o constituinte e o legislador entenderam que é imprescindível que algumas atividades sejam realizadas por pessoas de direito privado atuando em conjunto com o Estado. Essas entidades sem fins lucrativos chegam onde, muitas vezes, o Estado não consegue alcançar.
Essas organizações, que desempenham um papel crucial em áreas como saúde, educação e assistência social, enfrentam novos desafios e oportunidades à medida que as regras tributárias são reformuladas. A Constituição concede imunidade a determinadas áreas: educação, saúde, assistência social, templos de qualquer culto, partidos políticos e sindicatos laborais. No entanto, as entidades que se encontram sob o regime de isenções, e não de imunidade, enfrentam uma fragilidade, pois o direito à isenção pode ser revogado por uma simples lei ordinária, diferentemente da imunidade que depende de emenda constitucional.
Em se tratando da EC nº 132/2023, tanto a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) quanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), ali constituídos, de acordo com art. 149-B, observarão as mesmas regras de imunidade constitucional, fazendo menção em seu parágrafo único ao respeitar a imunidade constante do art. 150, VI, da Constituição Federal (com exceção do art. 195, § 7º o qual determina a isenção, e não imunidade, relativo a contribuições previdenciárias das entidades).
Considerando que o CBS substituirá as contribuições do PIS e COFINS e o IPI, cujas imunidades depende do CEBAS, uma grande conquista das entidades é a previsão de sua imunidade, independentemente do Art. 195, parágrafo 7°, da Constituição, que prevê a necessidade de a entidade ser beneficiada pela assistência social. Portanto, a entidade poderá usufruir da imunidade à CBS, mesmo que não seja certificada como entidade beneficente de assistência social, ou seja, não precisa ser portadora do CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) para que se tenha o benefício da imunidade tributária.
Porém, surgem preocupações, pois a imunidade não se aplica aos tributos de forma geral. Apesar de não sofrerem a incidência de impostos, as organizações de assistência social ainda devem arcar com outros tributos, como taxas, contribuições de melhorias e contribuições especiais, podendo, nesse ponto, sofrer um aumento da carga tributária.
Outro ponto a ser observado pelas entidades do Terceiro Setor, após a institucionalização da EC nº 132/2023, em inciso VII, § 1º do art. 155, é a não incidência do ITCMD. Com a nova regra, ficou clara a não incidência do imposto sobre doações realizadas a entidades sem fins lucrativos. Embora alguns estados já previam esse benefício na forma de isenção, agora será homogêneo, trazendo maior segurança jurídica tanto para os doadores quanto para os donatários.
A reforma tributária traz um alerta as entidades que não possuem imunidade tributária. A recente mudança conferiu imunidade ao IBS e à CBS para entidades do Terceiro Setor. Entretanto, as entidades que atualmente são isentas, e não imunes, devem ficar atentas ao novo sistema tributário, pois até o momento não existe previsão de incentivos.
Isso ocorre porque as entidades do terceiro setor que não são beneficiadas pelas imunidades relativas às contribuições para o PIS (Programas de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), atualmente, podem se beneficiar de um regime tributário especial para essas contribuições. Nesse regime, a contribuição ao PIS é de 1% (um por cento) sobre a folha de salários, e há isenção da COFINS.
Com a extinção desses tributos, as entidades não imunes serão tributadas pelo IBS e pela CBS, o que provavelmente aumentará a carga tributária sobre suas atividades.
Além disso, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços) também serão extintos. Assim, benefícios fiscais previstos na legislação estadual (relacionados ao ICMS) e na legislação municipal (relacionados ao ISS) também deixarão de existir. No entanto, os incentivos e as isenções fiscais ainda podem ser regulamentados por meio de leis complementares, que serão essenciais para a implementação dos novos tributos.
Desse modo, é crucial que as entidades continuem monitorando e participando ativamente dos debates que ocorrerão no próximo ano para regulamentar as alterações introduzidas pela Reforma Tributária e medir seus impactos, pois será um período importante para a adaptação das entidades beneficentes.