A Fragilidade da Prova Testemunhal na Justiça do Trabalho: Um Caminho para a Advocacia Predatória?
Por Amanda Godoy, advogada e Guilherme Gut Sá Peixoto de Castro, sócio
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12/09/2024 08h19
A Justiça do Trabalho se fundamenta em dois pilares centrais: a primazia da realidade e a busca da verdade real. O objetivo é que os julgamentos reflitam, com precisão, a situação fática vivenciada pelas partes, sem apego a formalismos que possam distorcer a essência da relação laboral. No entanto, a aplicação desse princípio, quando excessivamente focada em provas testemunhais, tem gerado discussões sobre a efetividade e equidade dos julgamentos.
Um dos aspectos mais sensíveis desse processo é a distribuição do ônus da prova. Em muitos casos, provas documentais são superadas por depoimentos orais, abrindo espaço para questionamentos sobre a segurança jurídica. O presente artigo explora criticamente essa dinâmica e os riscos associados à valorização excessiva da prova testemunhal em detrimento de documentos formais.
O Papel da Prova Testemunhal e a Discrepância no Valor Probatório
A instrução processual é o momento em que as partes apresentam suas provas, buscando formar o convencimento do magistrado. Embora a prova documental seja um elemento central, observa-se, cada vez mais, uma desproporção na relevância atribuída às provas testemunhais, especialmente quando contrastadas com documentos assinados pelas partes envolvidas. Este desequilíbrio tem gerado preocupação, sobretudo no campo de defesa das empresas.
Enquanto os documentos muitas vezes refletem procedimentos internos robustos e devidamente formalizados, as provas testemunhais — permeadas por influências externas, como relações pessoais e ressentimentos — frequentemente subvertem o valor desses registros. Em casos em que as provas testemunhais desfavoráveis levam a condenações, empresas acabam penalizadas, mesmo que munidas de documentos que indicariam o contrário.
Testemunhas, Influências e Manipulação de Depoimentos
A natureza da prova testemunhal torna-a suscetível a falhas, imprecisões e distorções, intencionais ou não. A introdução de audiências telepresenciais na Justiça do Trabalho exacerbou esses riscos, uma vez que a fiscalização da incomunicabilidade das testemunhas e a garantia de que elas não estão sendo instruídas durante o depoimento tornaram-se mais frágeis. Esse cenário cria um ambiente propício para abusos.
Em um caso prático em que atuamos recentemente pela parte Reclamada, um equívoco da patrona do autor ao deixar o microfone aberto revelou instruções diretas dadas às testemunhas sobre como deveriam responder. Esse evento expôs a vulnerabilidade do sistema à manipulação. Se tal erro não tivesse ocorrido, a reclamada poderia ser condenada com base em depoimentos viciados, ignorando a robustez dos controles de jornada e outros documentos apresentados. Isso reforça a ideia de que o mero depoimento de uma testemunha, ainda que falho, pode subverter meses de registros formais.
Advocacia Predatória e os Riscos de Manipulação
Este cenário levanta uma questão ainda mais ampla e preocupante: a prática de advocacia predatória. Ao explorar a fragilidade da prova testemunhal e seu uso em excesso, certos advogados podem adotar estratégias que buscam maximizar ganhos com base em distorções, especialmente quando incentivam depoimentos tendenciosos ou articulam táticas que desvirtuam a verdade. A advocacia predatória, nesse contexto, se traduz na exploração de lacunas processuais para obter decisões favoráveis à custa da integridade do sistema judicial.
Essa prática não apenas desequilibra o jogo processual, mas também mina a confiança no Judiciário. Empresas, já vulneráveis à pressão econômica e de compliance, tornam-se alvo fácil de táticas predatórias que buscam resultados rápidos e vantajosos, mesmo que em detrimento da verdade. A relação entre provas testemunhais frágeis e advocacia predatória ressalta a urgência de reformas no tratamento da prova oral na Justiça do Trabalho.
A Necessidade de Reformas e o Papel da Tecnologia
A sobrevalorização das provas testemunhais, quando não acompanhada de uma análise crítica e criteriosa de sua validade, coloca em xeque a segurança jurídica e a própria justiça que o sistema pretende promover. Assim, torna-se imperativo rever o papel das provas orais e adotar ferramentas tecnológicas que permitam um controle mais eficaz das evidências. A geolocalização, por exemplo, pode ser utilizada para verificar a presença de trabalhadores em determinado local ou horário, fortalecendo a veracidade das informações documentais e orais.
Além disso, o desenvolvimento de metodologias que aumentem a transparência nas audiências telepresenciais é essencial. O aprimoramento das práticas de vigilância da incomunicabilidade e a utilização de inteligência artificial para detectar inconsistências em depoimentos são exemplos de como a tecnologia pode auxiliar na busca por uma Justiça do Trabalho mais equilibrada.
Conclusão A fragilidade da prova testemunhal na Justiça do Trabalho coloca em evidência um desequilíbrio que favorece, em muitas situações, a parte reclamante em detrimento da empresa, mesmo diante de provas documentais robustas. A exploração desse cenário por práticas de advocacia predatória reforça a necessidade de uma revisão crítica do sistema, visando assegurar que a verdade documental tenha seu devido valor. O futuro da Justiça do Trabalho deve passar por uma harmonização entre a proteção ao trabalhador e a garantia de um processo justo, no qual o depoimento oral seja tratado com a cautela necessária e a tecnologia seja uma aliada na preservação da equidade processual.