Créditos de PIS/COFINS em Saúde e Segurança do Trabalho: do custo obrigatório” à ferramenta de eficiência tributária.
A recente consolidação jurisprudencial sobre o creditamento de PIS e COFINS no regime não cumulativo colocou a Saúde e Segurança do Trabalho (SST) no centro de uma agenda que combina conformidade regulatória, prevenção de riscos e eficiência tributária.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) vem reconhecendo que despesas obrigatórias com SST — como a implementação e execução do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO, da NR-7), do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR, que substituiu o antigo PPRA, à luz da NR-1) e a estruturação e funcionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA, NR-5) — podem qualificar-se como insumos para fins de creditamento, desde que comprovados o nexo com a atividade econômica e a idoneidade da prova.
O norte decisório é o Tema 779 do Superior Tribunal de Justiça, que fixou os critérios de essencialidade e relevância: bens e serviços exigidos por imposição legal e indispensáveis ao processo produtivo ou à prestação do serviço integram a noção de insumo e, por isso, geram crédito.
O CARF tem aplicado essa lógica aos gastos de SST, distinguindo-os de dispêndios meramente administrativos ou desvinculados da atividade-fim — como anúncios ou serviços postais genéricos — que não se enquadram como insumos e, portanto, não habilitam o creditamento.
A consequência prática é inequívoca: quando a empresa demonstra, com lastro documental, que os dispêndios em exames admissionais, periódicos, de retorno ao trabalho e demissionais, a emissão de relatórios e ASOs, os inventários de riscos e planos de ação, as avaliações e laudos ambientais, as atas e treinamentos da CIPA e a aquisição e consumo efetivo de EPIs e EPCs decorrem de obrigações normativas e guardam relação indispensável com a produção ou prestação, abre-se uma via segura para a apropriação de créditos.
O ponto de partida, evidentemente, é o enquadramento no regime não cumulativo de PIS e COFINS. Sem isso, a discussão esvazia-se. Superada essa premissa, a análise desloca-se para o nexo operacional e para a prova.
O nexo se evidencia quando a SST é indissociável da própria viabilidade da operação: em linhas de produção com exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos; em canteiros de obras e atividades de mineração; em operações hospitalares e de saúde com protocolos rigorosos de biossegurança; em cadeias de logística, energia e agro, nas quais a mitigação de riscos é condição de continuidade.
Também em serviços intensivos em mão de obra, nos quais a rotatividade de exames, reciclagens e treinamentos obrigatórios gera um acervo documental robusto, a essencialidade tende a ser mais visível.
Nada disso, porém, dispensa o elemento decisivo: a idoneidade probatória.
A experiência contenciosa revela que as glosas sobrevêm não por discordância abstrata sobre os critérios do Tema 779, mas pela insuficiência de lastro. O fisco e o próprio CARF têm exigido documentação hábil e coerente: contratos e notas fiscais com descrição clara do objeto, CFOPs e NCMs compatíveis, relatórios técnicos do PCMSO e do PGR assinados por profissionais legalmente habilitados, laudos e medições ambientais com metodologia e periodicidade adequadas, atas e registros formais da CIPA, evidências de treinamentos com listas de presença e conteúdos programáticos, além de políticas internas que demonstrem a aderência aos comandos das NRs.
No caso de EPIs e EPCs, é recomendável que a rastreabilidade contemple o vínculo com o risco mapeado, a vida útil, o controle de entrega e substituição e a efetiva utilização no processo, afastando o caráter genérico ou meramente patrimonial.
Sob a ótica fiscal-operacional, boas práticas ampliam a segurança jurídica do crédito. É útil que a empresa integre o ciclo de SST ao seu mapa de processos e centros de custo, estabeleça critérios de rateio quando houver compartilhamento entre diferentes linhas de produção ou serviços, mantenha trilhas de auditoria que permitam reconciliar cada desembolso com o risco identificado e com o resultado operacional, e adote procedimentos de revisão periódica para saneamento documental.
A governança de documentos deve assegurar que a narrativa técnica do PGR e do PCMSO converse com a escrituração fiscal digital, de modo que a EFD-Contribuições reflita a natureza dos dispêndios e a segregação correta entre o que é insumo e o que é despesa administrativa. esse cuidado mitiga o risco de autuações baseadas em supostas inconsistências formais e fortalece a posição defensiva em eventual controvérsia.
Em termos econômicos, o reconhecimento de insumos de SST como geradores de crédito tem potencial de liberar caixa em setores pressionados por margens estreitas e custos de conformidade elevados.
A apropriação observando as alíquotas da não cumulatividade — via de regra 1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS, ressalvadas hipóteses específicas — pode representar alívio relevante, especialmente em operações de alta intensidade de risco e mão de obra.
A empresa, contudo, deve zelar por critérios conservadores de mensuração, evitando inflar a base com dispêndios dissociados do risco ocupacional ou que não atendam ao crivo de essencialidade e relevância.
A mensagem que emerge do alinhamento entre o STJ e o CARF é pedagógica: SST não se resume a cumprir tabela regulatória; quando estruturada com rigor técnico e documental, ela compõe a espinha dorsal da continuidade operacional e, por isso, ostenta natureza de insumo no que toca ao creditamento de PIS e COFINS.
A fronteira está menos no rótulo da despesa e mais na sua função no processo: aquilo que a lei impõe e que, sem o qual, a produção ou a prestação simplesmente não pode ocorrer com segurança e regularidade, tende a ser reconhecido como insumo; o que serve apenas a fins gerais, promocionais ou administrativos, não.
Diante desse quadro, impõe-se a revisão dos programas de SST com olhar integrado técnico, jurídico e fiscal. Mapear riscos, atualizar PGR e PCMSO, reforçar a atuação da CIPA, documentar treinamentos e avaliações, qualificar descrições fiscais e manter a rastreabilidade dos EPIs e EPCs são etapas que, além de proteger pessoas e reduzir contingências trabalhistas e civis, potencializam créditos tributários de modo sustentável. Em um ambiente de escrutínio fiscal crescente, a combinação de compliance material, prova idônea e coerência entre operação e escrituração transforma o que antes era percebido como “custo obrigatório” em vetor legítimo de eficiência tributária, premiando quem faz o certo: cumprir a lei, cuidar de gente e operar com controle.