Informativo Cível

CPI das BETS e a Cadeia de Fornecimento do Código de Defesa do Consumidor

A instalação da CPI das Apostas Esportivas (CPI das Bets) no Congresso Nacional trouxe à tona uma discussão urgente: até onde vai a responsabilidade civil dos influenciadores digitais que divulgam plataformas de apostas online? A questão ganhou ainda mais relevância após o depoimento da influenciadora Virginia Fonseca, uma das personalidades mais seguidas do país. 

Por Amanda Zebele, Advogada

[email protected]

15/05/2025 11h51

Embora Virginia tenha negado envolvimento em fraudes, sua convocação expôs algo maior: a necessidade de parâmetros jurídicos claros para a atuação de influenciadores, especialmente quando promovem serviços de risco que podem causar danos financeiros aos seus seguidores. 

A CPI investiga não apenas fraudes em apostas esportivas, mas também o papel dos influenciadores na divulgação de plataformas sem autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Em diversos casos, essas empresas operavam à margem da legislação ou sem licença válida. 

Ao promoverem tais serviços, os influenciadores funcionam como avalistas da confiabilidade das plataformas. Seu alcance, somado à confiança que despertam em seus seguidores, transforma um simples post publicitário em uma poderosa ferramenta de convencimento. Isso pode gerar prejuízos reais aos consumidores, sobretudo quando há promessas de lucro fácil. 

A legislação brasileira impõe deveres de cuidado e admite a responsabilidade objetiva em diversas situações. Pelo artigo 186 do Código Civil, comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem. Já o artigo 927 prevê a obrigação de indenizar independentemente de culpa quando a atividade desenvolvida for, por sua natureza, de risco. 

O Código de Defesa do Consumidor (artigo 14) também estabelece a responsabilidade objetiva de todos os integrantes da cadeia de fornecimento, o que pode incluir influenciadores que promovem produtos ou serviços. Em outras palavras, não é necessário que haja má-fé ou intenção de prejudicar: basta que o dano tenha ocorrido e exista nexo causal com a conduta do influenciador. 

Esse entendimento vem sendo reforçado por decisões judiciais que reconhecem que a recomendação feita por influenciadores, mesmo que informal, pode gerar o dever de indenizar, especialmente quando induz o consumidor ao erro. 

A atuação dos influenciadores deve ser compreendida dentro da lógica da cadeia de fornecimento prevista no Código de Defesa do Consumidor. Ao vincular sua imagem a uma marca, produto ou serviço, o influenciador não apenas intermedeia o contato, mas atua diretamente na indução à contratação. Por isso, pode responder solidariamente pelos danos causados. 

Conforme ensina o jurista Bruno Miragem, o influenciador, ao interagir comercialmente com o mercado consumidor, atua como fornecedor indireto, assumindo deveres de informação e lealdade nos moldes do Código de Defesa do Consumidor. 

A influenciadora Virginia alegou desconhecer que a plataforma que divulgava atuava de forma irregular. No entanto, como vimos, a responsabilidade objetiva dispensa a comprovação de culpa, e a jurisprudência tem apontado que, ao promover serviços de alto risco, o influenciador deve adotar cautela redobrada, especialmente quanto à legalidade da empresa e à veracidade das promessas veiculadas. 

O princípio da confiança, que sustenta a boa-fé objetiva, impõe ao influenciador um dever de diligência e transparência. Quando se trata da promoção de serviços de apostas, essa responsabilidade é ainda mais sensível. 

A CPI das Bets inaugura um novo paradigma para a regulação da publicidade digital. O caso de Virginia e de outros influenciadores evidencia que, ao lucrarem com a confiança do público, devem também assumir os riscos decorrentes das escolhas comerciais que fazem. 

Para escritórios, empresas e influenciadores, o recado é claro: a blindagem jurídica deve começar antes da publicação do post. Isso inclui análise contratual, verificação da regularidade da plataforma e, sobretudo, atenção à legislação vigente. 

Vivemos uma era em que a influência se transformou em profissão. E, como toda profissão, ela vem acompanhada de deveres e consequências jurídicas. 

Veja todas as notícias