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Artigo: A provável declaração de inconstitucionalidade do Artigo 16 da Lei nº 7.347/1985 e a nova abrangência territorial das decisões.

22/04/2021 16h56

Está em curso, perante o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral nº 1.101.937 (Tema 1075), interposto pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em face das Instituições Financeiras.

Mariana Feijon, Advogada.

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Referido recurso, que primordialmente buscava a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados, gerou a necessidade de se discutir a constitucionalidade do Artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), que estabelece: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

Incialmente, esclarecemos que o instituto da ação civil pública, como o próprio nome revela, é uma ação que possui, como objetivo primário, a proteção dos interesses da coletividade, evitando o ajuizamento de inúmeras demandas individuais pelas pessoas que foram (ou serão) prejudicadas pelo ato danoso e como objetivo secundário, a responsabilização do infrator pelo dano causado a determinados bens jurídicos.

Destaca-se que esse tipo de ação veicula matérias ambientais, sanitárias, consumeristas, trabalhistas e bancárias, ou seja, qualquer questão que tenha impacto difuso ou coletivo em toda a sociedade.

A título de exemplo, podemos identificar a forte presença dessas ações em hipóteses de recorrentes interrupções no fornecimento de água em determinado bairro. Neste caso, poderá o Promotor de Justiça ou outros legitimados, tais quais, Defensoria Pública, Órgãos Públicos e Entidades Civis, ajuizar ação civil pública para exigir do Poder Público (ou da Concessionária), a prestação do serviço de maneira contínua e ininterrupta, sendo que a decisão proferida nesta ação poderá resolver tal problema, beneficiando toda a sociedade ou grande parte desta. Mas, essa solução será aplicada somente àquelas pessoas daquele bairro ou Comarca?

Esse é justamente o assunto tratado no Recurso Extraordinário nº 1.101.937. Caso o STF adote um posicionamento mais restritivo, o que não se espera, determinando a aplicação literal e equivocada do Artigo 16 da Lei nº 7.347/85, limitando os efeitos da decisão judicial à Comarca do Juiz de Direito que a proferiu, será necessário intentar diversas ações para que todas as pessoas de outras cidades e de outros estados obtenham igual direito, abalando todo o sistema processual coletivo.

Nas palavras do professor em Processo Coletivo da USP, Camilo Zufelato: “A prevalecer tal absurdo jurídico, além de grave violação constitucional, a consequência prática será a multiplicação desenfreada de ações, individuais e coletivas, a assoberbar ainda mais o já abarrotado Poder Judiciário”.

No entanto, ressalta-se que até o momento, a maioria dos Ministros, sabiamente, votou pela inconstitucionalidade do Artigo 16.

Com amparo no ordenamento jurídico do processo coletivo e no entendimento que tem prevalecido nos tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, a melhor solução será o reconhecimento do efeito erga omnes das sentenças e dos acórdãos, beneficiando todas as pessoas atingidas pelo ato lesivo, independentemente da cidade em que residam, sendo o critério territorial válido somente para a definição do Juízo, ou seja, para torná-lo prevento.

A mudança desse entendimento está baseada, segundo os Ministros, nos conceitos de acesso à justiça, busca de maior eficiência e alcance das demandas que veiculem direitos difusos e coletivos, isonomia, dentre outros.

Em termos práticos, os efeitos desse julgamento, quando finalizado, serão amplos para toda a sociedade, vez que as decisões proferidas em sede de Ações Civis Públicas irão valer para todo o Brasil, independentemente do local onde as sentenças e/ou decisões foram proferidas.

Dessa forma, uma decisão judicial a respeito da prestação de serviço público no tocante ao fornecimento de energia elétrica, por exemplo, proposta na cidade de São Paulo, beneficiará não somente as pessoas lesadas naquela cidade, mas em todos os recantos do país, garantindo à sociedade um verdadeiro equilíbrio jurídico.

Igualmente, com a declaração de inconstitucionalidade do supracitado artigo e a consequente abrangência nacional das decisões, os litígios coletivos serão apreciados como um todo, evitando a repetição de demandas com o mesmo objeto e a possibilidade de decisões contraditórias, aumentando a celeridade dos processos e gerando, inclusive, economia dos recursos públicos utilizados na tramitação das ações judiciais.

Incumbe, portanto, ao STF, guardião da Constituição Federal e dos direitos fundamentais nela estampados, zelar para que as pessoas recebam igual tratamento de seus interesses, sem limitações geográficas. Afinal, a redução das desigualdades sociais é pauta diária dos poderes públicos.

Imagem: Secom/MPF

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