Efeito backlash, reforma do Código Civil e indeterminação.
Se o Judiciário toma uma decisão muito diferente daquilo que o Congresso Nacional pensa ou se vai contra os interesses da maioria, deve estar preparado para o contra-ataque (backlash).
Por Rodrigo Calderari
15/07/2025 09h42
A resposta dos grupos políticos que atuam no Congresso Nacional aos julgamentos de temas mais espinhosos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tende a ser rápida e articulada. Foi assim nos casos da união homoafetiva; da vaquejada; do aborto do feto anencéfalo e tantos outros.
O efeito backlash, como ficou conhecido, é a resposta da política a decisões do Poder Judiciário que podem não estar de acordo com os valores da maioria e, portanto, geram uma reação adversa por parte do Congresso Nacional.
Funciona assim: o juiz (geralmente o STF, que faz as vezes de Corte Constitucional) decide algo que gera insatisfação generalizada em determinados grupos políticos e, de súbito, surge toda uma rede de articulações para aprovar uma lei que contrarie totalmente a decisão anterior do Poder Judiciário.
O efeito rebote é, por vezes, um sinal de que o diálogo institucional entre os poderes não anda bem e traz sintomas de consolidação democrática ruim.
E o que o Código Civil tem a ver com tudo isso?
Bem, um dos principais pontos de preocupação na reforma do Código Civil é justamente o fato de que determinadas propostas vão contra a jurisprudência atual das Cortes Superiores em temas importantes. Listamos aqui algumas delas:
- Exclusão do cônjuge e companheiro da condição de herdeiro necessário (em contraposição ao RE 878.694, STF);
- Redução das hipóteses de responsabilidade objetiva, especialmente em relações de consumo ou atividades de risco (em contraposição a Teoria do Risco Integral, adotada pelo STJ na maioria dos casos);
- Aumento das hipóteses de incapacidade civil relativa (em contraposição a jurisprudência do STF e dos Tribunais que promove o princípio da capacidade plena e da autonomia das pessoas com deficiência – ADI 5.766, STF)
É evidente que existe um conflito. E, embora isso não chegue a tomar a forma de um efeito backlash, visto que a proposta de reforma de um código impõe discussões prolongadas que, espera-se, harmonizem os interesses em jogo, é óbvio que há aqui uma resposta da política ao Poder Judiciário.
O mais curioso é que, responde-se ao Poder Judiciário, e, ao mesmo tempo, confere-se a ele mais poder. Sim, mais poder, porque é isso que a proposta faz ao inflar a legislação com os conceitos indeterminados de “função social” (cuja pena de descumprimento seria a de nulidade!); “ordem pública” e “risco especial e diferenciado”.
A crítica, aqui, não está propriamente na introdução dos conceitos indeterminados. Trata-se de escolha que será feita pela comissão de juristas responsável pela redação da nova lei, a qual será ou não chancelada posteriormente pelo Congresso.
O problema é que parece não haver, ainda, uma clareza sobre o que se espera dos juízes e sobre o grau de confiança neles. Reforma-se o Código para alterar temas que foram modificados por um suposto “ativismo judicial”, mas, ao mesmo tempo, confere-se mais poder e margem de interpretação ao juiz.
Este é um grande erro também de quem critica as reformas (tanto de um lado quanto de outro). Criticam, pontualmente, a alteração de temas específicos, mas não percebem que o problema é e sempre foi de técnica legislativa e do papel que a nova lei quer conferir ao intérprete-aplicador da lei.
Antes de decidirmos se cônjuge sai ou não do rol de herdeiros necessários; se animais são coisas; pessoas ou, como parece ocorrer, inventarmos uma nova categoria para eles, precisamos discutir qual papel e limites dos poderes daqueles que julgam. Quais as diretrizes interpretativas e, como diz a teoria do Direito mais tradicional, qual o “espírito” da nova lei. Sem isso, a reforma vai ser letra morta, pois o Judiciário lhe dará, possivelmente, uma interpretação muito diferente do que foi a intenção do legislador. E, a cada vez que isso acontece, surge uma nova “reforma”, um novo “remendo” na lei. E, de “efeito backlash em efeito backlash” nenhuma lei sobrevive coesa por muito tempo. Nem ela e nem o regime democrático.
Não há como não lembrar da frase do primeiro-ministro da Prússia, Otto von Bismarck, na qual ele afirma que “se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e as leis, não comeriam as primeiras e não obedeceriam às segundas.” No caso do Código Civil, ainda há tempo para a Comissão melhorar o processo de produção legislativa. Uma dica: poderia começar ouvindo entidades da sociedade civil; agentes de mercado e outros stakeholders, pois, ao que parece, isso não foi feito a contento.1
1 A reforma do Código Civil é desastrosa. https://www.estadao.com.br/opiniao/a-reforma-do-codigo-civil-e-desastrosa/?srsltid=AfmBOoryn9aWTMB1ImSNHsjQRjtVDuQX0k15e7TYjEGusNr-focKkl7F