Execuções Fiscais em Xeque: A Nova Estratégia do Fisco para Cobrança
Uma sociedade minimamente organizada necessita de um Estado que capitaneia, organiza e aloca recursos do setor privado em prol do público. Muitas vezes a entrada desses recursos é feita à coerção e o mecanismo da Execução Fiscal, por meio da Lei 6.830/1980, é um deles.
Quando há uma execução fiscal, algum contribuinte está devendo para o fisco e a captação de recursos privados em prol do público fica prejudicada. Com isso, o fisco busca seus direitos como credores junto ao Poder Judiciário. Até aqui, nada de novidade.
Quem milita na advocacia tributária há alguns anos e se recorda de momentos em que o advogado tinha de analisar processos e mais processos executórios, ou numa vara federal ou em um anexo fiscal à justiça comum, por horas, e providenciar um relatório pormenorizado ao seu cliente, traduzindo pari passu os andamentos processuais, bem como prognosticando os próximos? Mesmo com o mundo jurídico digitalizado, novamente nada de novidade.
Ninguém gosta de ficar devendo ao fisco. Isso afeta crédito, transações, bens, patrimônio e heranças. Caso isso ocorra a um cidadão ou empresa, a impressão que dá é que o contribuinte vive com síndrome de perseguição. Mas vivemos em sociedade e a arrecadação de tributos é tão necessária quanto a alocação de gastos públicos, até porque a canalização desses recursos tem via dupla.
Nos últimos anos, o Poder Judiciário e várias outras entidades da Administração Pública vêm tentando criar mecanismos de resolução de disputas judiciais, e com muito sucesso, inclusive[1]. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os valores sob judice somente aumentam a cada dia e são quase 84 milhões de processos em tramitação, distribuídos por 91 tribunais (mais de 80% na Justiça Estadual), passando pelas mãos de 18 mil juízes e 275 mil servidores brasileiros para serem solucionados[2].
Mais recentemente, o CNJ, por meio de uma nova resolução, estabeleceu diretrizes para lidar com execuções fiscais de baixo valor, definidas como aquelas cujo montante é inferior a R$ 10.000,00. A medida visa reduzir a morosidade do Poder Judiciário, já vez que as execuções fiscais representam uma parcela significativa dos processos pendentes. A resolução determina que tais execuções fiscais devem ser extintas quando não houver movimentação útil por mais de um ano, sem que o executado tenha sido citado, ou ainda que citado, não sejam localizados bens penhoráveis. Essa decisão é fundamentada no princípio constitucional da eficiência administrativa, que busca otimizar o uso dos recursos públicos e evitar o desperdício de tempo e dinheiro em processos cujo custo pode superar o valor a ser recuperado.
E agora a grande novidade: antes de iniciar uma execução fiscal, a resolução exige que sejam feitas tentativas de conciliação ou adotadas soluções administrativas, como notificações prévias ao devedor ou a oferta de condições especiais para pagamento. Além disso, o protesto do título é estabelecido como uma exigência prévia, salvo em casos específicos onde essa medida se mostre ineficaz ou desnecessária. Além disso, a resolução reforça que, em situações em que novos bens penhoráveis sejam encontrados, a execução fiscal poderá ser proposta novamente, desde que não tenha ocorrido a prescrição.
Na mesma linha, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) publicou o Provimento CSM nº 2.738/2024 que estabelece diretrizes importantes para a aplicação de decisões judiciais no âmbito das execuções fiscais que tramitam no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Este documento considera as teses definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1.184, bem como a Resolução nº 547 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa racionalizar e tornar mais eficiente o tratamento das execuções fiscais no Judiciário.
Uma das principais medidas introduzidas pelo Provimento é a exigência de que, antes do ajuizamento de uma execução fiscal, sejam tentadas alternativas extrajudiciais, como a conciliação ou a adoção de soluções administrativas, além do protesto prévio do título. Essas providências, porém, podem ser dispensadas se houver justificativa objetiva nos autos. Este requisito busca reduzir o número de execuções fiscais que chegam ao Judiciário, promovendo uma solução mais ágil e menos onerosa para as partes envolvidas.
O fisco tem a possibilidade de requerer a averbação premonitória da certidão de dívida ativa, independentemente de ter ajuizado a execução fiscal, com o objetivo de impedir que o executado esvazie o seu patrimônio a ponto de se tornar insolvente e frustrar a cobrança.
O Provimento prevê a possibilidade de extinção em lote de execuções fiscais que se enquadrem nas hipóteses mencionadas, com o julgamento dos recursos sendo feito por lista, sem a possibilidade de impugnação individualizada. Essa medida visa acelerar a tramitação dos processos, garantindo maior eficiência e celeridade na resolução das execuções fiscais.
Diante desses dois atos descritos acima, vimos que um dos pontos mais cruciais em comum é o protesto da dívida tributária anterior ao ajuizamento da execução fiscal. Essa mecânica tenderá a acelerar o recebimento de valores pelo fisco de forma antecipada, forçando o devedor, caso não queira ficar protestado e ter os adventos disso, a providenciar as medidas cabíveis para sustar o protesto.
Em síntese, as recentes mudanças no processo de execução fiscal, impulsionadas pelas resoluções do CNJ e do CSM, representam um marco significativo na busca por um sistema tributário mais eficiente e menos oneroso. A introdução de medidas como a exigência de tentativas de conciliação prévias e o protesto do título antes do ajuizamento da execução fiscal promete não apenas acelerar a recuperação de créditos pelo fisco, mas também aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário, reduzindo o número de processos em tramitação.
Embora essas alterações possam parecer, à primeira vista, uma ameaça à tradicional execução fiscal, elas na verdade reforçam a necessidade de um equilíbrio entre a arrecadação eficiente de tributos e o respeito aos direitos dos contribuintes.
Assim, o futuro do processo tributário aponta não para o fim das execuções fiscais, mas para uma transformação que privilegia a solução extrajudicial de conflitos, promovendo maior celeridade e eficácia na gestão dos recursos públicos.
[1] https://www.cnj.jus.br/cnj-18-anos-conciliacao-e-mediacao-transformaram-acesso-a-justica/; https://www.cnj.jus.br/conciliacao-envolve-cidadao-na-solucao-de-conflitos/#:~:text=A%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CNJ%20n.,mediar%20ou%20conciliar%20seus%20conflitos; https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/06/05/comissao-aprova-projeto-da-arbitragem-em-materia-tributaria-e-aduaneira
[2] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024-v-28-05-2024.pdf