LGPD

ANPD X META: Uma nova fase da regulação de I.A’s no Brasil

ANPD determina suspensão cautelar do tratamento de dados pessoais para treinamento da IA da Meta

Por Adib Feguri

[email protected]

03/07/2024 09h28

Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu ontem (02/07), Medida Preventiva determinando a imediata suspensão da vigência da nova política de privacidade da empresa Meta no Brasil, que autorizava o uso de dados pessoais publicados em suas plataformas para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial (IA). 

A medida se refere à atualização na política de privacidade da empresa que entrou em vigor no último dia 26 de junho. A nova política se aplica aos “Produtos da Meta”, que incluem o Facebook, o Messenger e o Instagram, e permite que a empresa utilize informações publicamente disponíveis e conteúdos compartilhados por usuários de suas plataformas para treinamento e aperfeiçoamento de sistemas de IA generativa. Tal tratamento pode impactar número substancial de pessoas, já que, no Brasil, somente o Facebook possui cerca de 102 milhões de usuários ativos.

A ANPD tomou conhecimento do caso e instaurou processo de fiscalização, em função de indícios de violações à LGPD. Diante dos riscos de dano grave e de difícil reparação aos usuários, a Autoridade determinou cautelarmente a suspensão da política de privacidade e da operação de tratamento.

Em voto do Conselho Diretor, o entendimento foi de que há constatações preliminares suficientes para expedição da Medida Preventiva. São elas: 

  • Suspenção imediata da Política de Privacidade da Meta Brasil, em relação ao uso de dados utilizados para treinar a Inteligência Artificial Generativa.
  • Multa diária de R$50.000 por dia de descumprimento da preventiva, devendo a Meta comprovar a suspensão do uso dos dados para essa finalidade em até 5 dias úteis a partir da notificação.

A fundamentação utilizada para a aplicação das medidas foram as seguintes:

  • Base Legal Inadequada:

A Meta utilizava a Hipótese Legal do Legítimo Interesse para o tratamento descrito, porém, a ANPD argumentou que essa Hipótese não pode ser aplicada a tratamentos que envolvam dados sensíveis, como possíveis imagens ou vídeos de titulares que poderiam caracterizar esse teor, conforme entendimento da Autoridade. A ANPD ainda entendeu que não é expectativa do Titular o uso de TODAS suas informações, inclusive aquelas mais antigas como fotos ou vídeos, para o treinamento de IA’s, sendo que a coleta massiva de dados para essa finalidade não é estritamente necessária.

  • Falta de Transparência:

Restou identificado que a comunicação de alteração da Política de Privacidade da Meta no Brasil foi menos divulgada que na Europa. A meta também não deixou claro em seu documento ou sítios eletrônicos como os dados são utilizados para treinar a IA, sendo que os usuários titulares dos dados não foram adequadamente informados sobre o tratamento que estava sendo realizado com suas informações.

  • Limitação ao Exercício de Direitos dos Titulares:

Não foi identificado no tratamento a inclusão de opções de Opt-Out (Mecanismo de revogação de consentimento) de fácil acesso, o titular que tenta exercer seu direito por esse meio precisa passar por etapas muito longas e complexas, o que foi entendido como a ANPD como prática irregular que restringe o acesso dos titulares aos seus Direitos protegidos pela Constituição Federal.

  • Uso de Dados de Crianças e Adolescentes

Conforme apontado pela Autoridade, foi verificado que a Meta não menciona a coleta de dados de menores de 18 anos para treinamento da IA, sendo que a utilização dessa categoria de informações exige medidas de segurança adicionais de proteção as informações para garantia dos direitos da criança e do adolescente para avaliação e mitigação de riscos.

O tratamento de dados para esse caso ainda deve atender o “melhor interesse” da criança e do adolescente, conforme exige a LGPD, o que não foi identificado no tratamento referido.

Consequências

As irregularidades apontadas pela ANPD podem representar os seguintes riscos aos titulares de dados:

  • Violação do Direito Fundamental a Proteção de Dados Pessoais, conforme determina a Constituição Federal;
  • A criação de conduta consuma de tratamento irregular, tendo em vista a quase impossível reversão do tratamento com a complexidade necessária para exclusão dos dados já utilizados pela IA.
  • Riscos de exposição indevida de informações de crianças e adolescentes.

Regulação da Inteligência Artificial

O caso acima é importante para avaliarmos a importância da implementação de medidas que vão além da simples proteção de dados pessoais quando o tratamento pretendido envolve a utilização de tecnologias de inteligência artificial generativa, como a da Meta.

Recentemente o Parlamento Europeu aprovou o Regulamento Inteligência Artificial, que garante a segurança e o respeito dos direitos fundamentais, impulsionando simultaneamente à inovação.

O regramento adotado pelos países da União Europeia tem o objetivo de garantir o maior controle do uso ético das ferramentas de inteligência artificial empregadas em diversas funcionalidades do dia-a-dia, o que envolve em diversos momentos o uso de dados pessoais e decisões automatizadas com análises realizadas por IA’s.

O Brasil tem seguido a mesma linha que os países europeus. Diante do novo cenário das IA’s no País, a regulamentação desse campo se tornou necessária, uma vez que a IA incide em diversos setores da sociedade sem uma regulamentação especifica para estabelecer mecanismos de controle para utilização da tecnologia com intuito de salvaguardar que a tecnologia tenha como princípio e fim as pessoas naturais. A matéria prima utilizada para o desenvolvimento da IA são bases de dados, que podem ser pessoais, assim, como será a proteção desses dados pessoais e a responsabilidade civil em caso de violação de uma série de direitos, como o direito autoral, direito de privacidade e direito de proteção de dados pessoais?

PL 2.338/23

Tramita no senado Federal, o PL 2.338/23, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, que estabelece normas gerais para a regulamentação da IA. O PL busca proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em prol da pessoa humana e do desenvolvimento científico e tecnológico, como próprio dispõe o art. 1 do PL.

A regulamentação não tem o objetivo de barrar os avanços tecnológicos da IA, mas sim oferecer tanto um resguardo da preservação dos direitos e liberdades da sociedade, bem como para garantir segurança jurídica para que as próprias empresas do setor tenham uma base legal definida para nortear a sua atuação. É nesse contexto que o Compliance Digital entra em evidência

Compliance Digital

Compliance digital é o conjunto de práticas e procedimentos que objetivam a conformidade com regulamentações (como as de Proteção de Dados e IA’s), políticas internas e padrões de segurança relacionados à tecnologia da informação e à proteção de dados. Ele abrange áreas como privacidade, segurança cibernética, governança de TI e ética na utilização de sistemas digitais. O compliance digital visa mitigar riscos, promover a transparência e assegurar que a empresa opere dentro dos limites legais e éticos

O compliance digital assegura que as organizações estejam em conformidade com essas leis, garantindo o tratamento seguro dos dados dos usuários e buscando equilibrar a exponencial inovação tecnológica com a proteção dos indivíduos.

Isso envolve políticas de proteção de dados, consentimento adequado e medidas de segurança para mitigar riscos cibernéticos.

Priorizando a Privacidade: Na Zalaf Advogados, acreditamos que os sistemas de IA devem priorizar a privacidade das pessoas e os direitos dos titulares de dados. Regulamentações são necessárias para garantir que a IA beneficie a sociedade sem prejudicar os indivíduos

Veja todas as notícias