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Gestão de Cultura Organizacional e Integração: Estratégias e Desafios para Escritórios Jurídicos

Por Lucas Ciarrocchi Malavasi, advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral.

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18/03/2025 16h27

O cenário jurídico moderno, cada vez mais competitivo e dinâmico, exige que escritórios de advocacia adotem abordagens estratégicas para se manterem relevantes. Com a globalização e a descentralização das operações, tanto em níveis internacionais quanto dentro de um país continental como o Brasil, os desafios na gestão de pessoas e processos se tornam ainda mais complexos.

No contexto de escritórios de advocacia empresariais, onde a qualidade técnica precisa caminhar lado a lado com uma apurada visão de negócios, a cultura organizacional desempenha um papel essencial. Ela não apenas conecta profissionais de diferentes localidades a uma identidade comum, mas também cria o alicerce para decisões estratégicas que impulsionam resultados.

Pesquisas sobre cultura organizacional, como as de Edgar Schein, mostram que a cultura de uma empresa é formada por três níveis, quais sejam:

  1. Artefatos: são as práticas visíveis do dia a dia;
  2. Valores compartilhados: são as crenças que orientam decisões e comportamentos;
  3. Pressuposições básicas: são as crenças inconscientes e arraigadas.

Para escritórios com operações distribuídas, a integração desses níveis é essencial para garantir coesão e eficiência organizacional. Além disso, modelos como a Liderança Situacional de Hersey & Blanchard demonstram que gestores devem adaptar seu estilo conforme a maturidade e autonomia de cada equipe, o que pode ser um diferencial para a integração entre unidades regionais e internacionais.

Este artigo analisa os desafios e as oportunidades relacionados à gestão de uma cultura organizacional coesa em escritórios jurídicos, destacando exemplos práticos e estratégias aplicáveis tanto para operações globais quanto regionais. O caso do Linklaters, em sua expansão internacional, e os desafios enfrentados no Brasil serão explorados como fontes de aprendizado.

O Caso Linklaters: Lições da Expansão Global

Entre 2000 e 2004, o Linklaters incorporou escritórios em diversos países, como Alemanha, Suécia e Bélgica. Esse crescimento trouxe resultados positivos, mas também evidenciou um desafio crítico: a integração cultural.

Muitas vezes, os advogados das novas unidades não se sentiam conectados à marca global. Em vez disso, priorizavam práticas locais, o que comprometia a coesão organizacional. Essa desconexão mostrou como uma expansão rápida e sem um alinhamento pode dificultar a consolidação da identidade organizacional.

Outro exemplo é o caso do Baker McKenzie, que enfrentou desafios semelhantes. Contudo, o escritório investiu em treinamentos interculturais e em um modelo de governança descentralizado, equilibrando as especificidades locais com a manutenção de uma identidade global forte.

Além desses exemplos, o caso do Dentons é particularmente interessante. Esse escritório adotou um modelo inovador de fusões “policêntricas”, permitindo que cada unidade mantenha sua identidade cultural enquanto compartilha valores e padrões operacionais globais. Esse modelo mostra que o sucesso na expansão não depende apenas da expertise técnica ou do alcance geográfico, mas também da capacidade de gerir pessoas e culturas de forma equilibrada.

Insights Práticos:

  • Códigos de cultura organizacional bem definidos ajudam na padronização sem sufocar as especificidades regionais; e
  • Programas de imersão para novos sócios e advogados fortalecem o senso de pertencimento e reduzem conflitos de integração.

Desafios no Contexto Brasileiro

No Brasil, a gestão de escritórios com múltiplas unidades é igualmente desafiadora. As diferenças culturais e econômicas entre estados e as particularidades das legislações locais criam um cenário desafiador.

Um dos desafios mais críticos é a retenção de talentos. Escritórios de grande porte enfrentam uma alta rotatividade devido à competitividade do setor e à busca por melhor remuneração, enquanto escritórios regionais sofrem para reter profissionais qualificados que migram para grandes centros.

Uma estratégia eficaz para enfrentar esse desafio é a estruturação de trilhas de carreira, permitindo que advogados em filiais tenham perspectivas claras de crescimento sem precisar mudar para a matriz. Além disso, programas de mentoria entre unidades podem aumentar o engajamento e facilitar a troca de conhecimento.

Outras barreiras comuns são:

  • Dificuldade de harmonizar cultura corporativa com culturas locais;
  • Desafios na implementação de tecnologia para uniformizar processos em diferentes regiões; e
  • Falta de investimento na capacitação de lideranças regionais.

Algumas ações aplicáveis são as seguintes:

  • Treinamento Contínuo e Desenvolvimento de Cultura Organizacional;
  • Implementação de programas de treinamento interculturais, combinando soft skills (comunicação e empatia, por exemplo) com temas técnicos;
  • Uso de cases reais em workshops para que advogados compreendam os desafios de integração e adaptação cultural;
  • Criar um programa de liderança descentralizada, oferecendo maior autonomia a líderes regionais, mas mantendo alinhamento estratégico com a matriz;
  • Desenvolver métricas de desempenho ajustadas para cada unidade, permitindo avaliações justas considerando particularidades regionais;
  • Estabelecer um sistema de reconhecimento por desempenho que valorize equipes regionais, promovendo integração e alinhamento cultural;
  • Criar um programa de embaixadores da cultura, no qual advogados seniores compartilham valores organizacionais com equipes mais jovens;
  • Implementação de plataformas de comunicação interna para troca de boas práticas entre escritórios; e
  •  Uso de ferramentas de aprendizado digital, como trilhas de e-learning personalizadas, garantindo que advogados de diferentes regiões tenham acesso ao mesmo nível de capacitação.

Conclusão

Mais do que um desafio administrativo, integrar unidades regionais ou internacionais é uma oportunidade de consolidar a força de uma marca jurídica. Escritórios que conseguem equilibrar as particularidades locais com uma visão global podem conseguir uma posição estratégica de destaque no mercado.

Como demonstrado por empresas como Linklaters, Baker McKenzie e Dentons, o diferencial não está apenas na expertise técnica, mas na capacidade de construir uma cultura forte e integrada.

A gestão de cultura organizacional deve ser vista como um processo dinâmico, que evolui conforme o mercado, as demandas dos clientes e as expectativas das novas gerações de advogados e advogadas. Escritórios que apostam em liderança descentralizada, tecnologia e reconhecimento não apenas garantem a retenção de talentos, mas também fortalecem sua posição como marcas jurídicas de referência.


Fontes

  1. MCKINSEY & COMPANY. Organizational health: The ultimate competitive advantage. Disponível em: https://www.mckinsey.com. Acesso em: 24 jan. 2025.
  2. LINKLATERS LLP. Our story: A journey of global expansion. Disponível em: https://www.linklaters.com. Acesso em: 24 jan. 2025.
  3. BAKER MCKENZIE. Our values and global presence. Disponível em: https://www.bakermckenzie.com. Acesso em: 24 jan. 2025.
  4. FUNDAMENTO TEÓRICO. Gestão de equipes globais: Desafios e estratégias para organizações multiculturais. Harvard Business Review. Disponível em: https://hbr.org. Acesso em: 24 jan. 2025.

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