Contrastes Jurídicos: A Controvérsia da Jurimetria na Uber e a Insegurança nas Decisões Judiciais
A jurimetria é uma ciência que utiliza métodos quantitativos, como estatística e inteligência artificial, para analisar e prever fenômenos jurídicos. Ela pode ser uma ferramenta útil para auxiliar os operadores do direito na tomada de decisões, na gestão de riscos e na elaboração de estratégias. No entanto, ela também pode gerar polêmicas e questionamentos sobre a sua legitimidade, ética e impacto na sociedade.
Por Guilherme Gut, Sócio e Isadora Bacci, Advogada
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07/12/2023 08h18
Um exemplo recente dessa controvérsia envolve a Uber, a empresa de transporte por aplicativo que opera em mais de 60 países e que enfrenta inúmeras demandas judiciais relacionadas à sua atividade. A Uber utiliza a jurimetria para avaliar as chances de sucesso ou fracasso de cada processo, bem como para definir os valores e as condições dos acordos que propõe aos seus litigantes. Essa prática tem sido alvo de críticas e condenações por parte de alguns magistrados, que a consideram uma forma de manipulação, desrespeito e abuso do direito de defesa.
Em contrapartida, outros juízes têm reconhecido a validade e a legalidade do uso da jurimetria pela Uber, entendendo que se trata de uma prática comum e racional no âmbito jurídico, que não viola os princípios processuais nem prejudica as partes envolvidas. Essas decisões divergentes evidenciam a insegurança jurídica que permeia o sistema judiciário brasileiro, que apresenta uma grande variação de entendimentos e critérios sobre temas semelhantes.
Em nosso último artigo sobre a Uber e a jurimetria, apresentamos a análise da decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), na qual a empresa foi condenada em 1 bilhão de reais. Naquela ocasião, a condenação considerou que a Uber estava empregando a jurimetria de maneira desrespeitosa, interferindo nos princípios processuais com o intuito de se beneficiar da tecnologia, havendo um suposto uso excessivo e “antiético” da jurimetria, conforme se extrai deste trecho:
“Resta claro que a Ré se enquadra na hipótese de incidência da responsabilidade civil por ação e por omissão, pois a Ré age em sentido de construir informação que gera uma consciência coletiva de medo (de a Ré deixar o país e as pessoas perderem sua base de sustento), propaganda em massa quanto a uma vontade dos motoristas (a partir de uma construção ideológica induzida), gerar jurisprudência manipulando decisões por intermédios de acordos estratégicos (e não fazer tais acordos quando a análise indica que irão vencer o debate). Omite-se em estabelecer um mínimo de segurança financeira, de saúde, de segurança pública, de atribuição de direitos mínimos.
No entanto, no final do mês de outubro, foi proferida uma sentença pela 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte com um entendimento diametralmente oposto. Segundo a magistrada, o uso da jurimetria para a celebração de acordos não é uma novidade inventada pela Uber e não representa uma inovação. Trata-se de uma prática adotada por diversos litigantes desde os primórdios da justiça.
“Não se pode olvidar que, na atualidade, a tecnologia faz parte, em menor ou maior escala, do cotidiano de todos. Não seria diferente no ramo jurídico, o qual não pode ignorar a realidade. Não se mostra razoável, no mundo moderno, quedar-se alheio ou insurgir-se contra movimento que já se apresenta de forma permanente no cotidiano dos aplicadores do direito.”
[…]
Ora, independente da matéria em discussão, o fato de se ter maior ou menor chance de se obter procedência ou improcedência de um pleito, sopesado o custo que se teria ao propor um acordo e resolver o conflito, não se mostra ilícito, mas prudente. Os operadores do direito não só podem, como devem, avaliar as chances de êxito para, assim, sugerir a melhor estratégia. Tanto as partes quanto o julgador, conhecendo a jurisprudência, são racionalmente estimulados à composição do conflito. …]
Processo 0010531-94.2023.5.03.0111”
Ainda, segundo a Magistrada, a incerteza no processo é contestante, sendo incumbência de cada parte avaliar e gerenciar os riscos, bem como as decisões e valores envolvidos. A Magistrada não identificou litigância de má-fé ou qualquer comportamento desleal passível de manipular a opinião pública, não havendo qualquer condenação a empresa, sendo a ação julgada improcedente.
Essas situações destacam a insegurança jurídica enfrentada de maneira geral na contemporaneidade. Nos deparamos com duas decisões conflitantes em curto espaço de tempo, ambas relacionadas à mesma empresa e ao mesmo tema. Infelizmente, essa não é apenas uma realidade específica da Uber; a insegurança jurídica é um desafio enfrentado por todos aqueles que recorrem ao judiciário, o que poderia também justificar o uso da jurimetria.
Deste modo, consideramos que, na realidade, a jurimetria é um fator essencial para a segurança jurídica, na medida em que permite um estudo de comportamentos e uma análise de tendências que viabiliza uma tomada de decisão mais assertiva para uma empresa.
A jurimetria, portanto, está alinhada com a cultura data driven, que é uma tendência cada vez mais presente no mundo dos negócios. A cultura data driven é aquela em que as decisões são baseadas em dados confiáveis, coletados, analisados e transformados em informações estratégicas. Essa cultura visa reduzir a incerteza, a subjetividade e o achismo, e aumentar a eficiência, a qualidade e a transparência das ações.
Ao utilizar a jurimetria, os operadores do direito podem se beneficiar da cultura data driven, pois podem contar com dados concretos e relevantes sobre o cenário jurídico, as tendências, as probabilidades, os riscos e as oportunidades de cada caso. Assim, podem tomar decisões mais fundamentadas, eficazes e estratégicas, tanto para os seus clientes quanto para o judiciário.
Não se trata de substituir o raciocínio jurídico pelo cálculo matemático, mas sim de complementar e enriquecer a análise jurídica com dados que possam auxiliar na solução dos conflitos. A jurimetria não é uma ameaça, mas uma oportunidade de aprimorar o exercício do direito e a prestação da justiça.