As Execuções Fiscais de baixo valor: como agradar Gregos e Troianos?
Como é de conhecimento, a execução fiscal é um processo judicial utilizado pelo Estado para cobrar dívidas fiscais, ou seja, débitos de natureza tributária, como impostos, taxas e contribuições. Esse procedimento é utilizado quando o contribuinte não paga os valores devidos, mesmo após ser notificado e receber oportunidade de regularizar sua situação.
O Relatório Justiça do Conselho Nacional de Justiça[i], em nos levantamentos de 2023 (ano-base 2022) apontou a existência de mais de 27 milhões de execuções fiscais, dentro de um universo de cerca de 80 milhões de processos, o que corresponde a aproximadamente 34% de toda a demanda, o que sobrecarrega o Poder Judiciário no Brasil.
Ainda, no mesmo levantamento de 2023 realizado pelo CNJ, verificou-se uma taxa de congestionamento de 88%, isto é, de cada cem processos que tramitaram no ano de 2022, apenas 12 foram baixados. Além disso, observa-se que o tempo médio de tramitação desses processos até a baixa pelo Judiciário é de 6 anos e 7 meses.
É óbvio que nesse emaranhado de cobranças fiscais, existe uma parcela relevante que almeja o recebimento de quantias consideradas como “pequena” ou “baixa” e que mesmo assim o fisco sempre insistiu em mover a máquina judiciária objetivando o adimplemento desses valores.
Considerando as dificuldades que envolvem empreender, não nos cabe julgar as razões pelas quais houve dificuldades no pagamento de tributos, mas a dinâmica da cobrança por meio de execuções fiscais não tem funcionado da forma como pretende o Estado.
A questão é tão polêmica que em recente decisão o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou, no julgamento do Recurso Extraordinário 1355208/SC (Tema 1184), pela legitimidade da extinção das execuções fiscais de baixo valor e com ausência de interesse de agir. Referida decisão foi amparada no princípio constitucional da eficácia administrativa e visa otimizar o sistema judicial para garantir a efetividade da justiça.
Nesse sentido também, em fevereiro de 2024, o CNJ aprovou a Resolução nº 547/2024, a qual estabeleceu critérios[ii] para a extinção das execuções fiscais de pequeno valor e que possuem ausência de interesse de agir.
Mas novamente indagamos, será que o STF e o CNJ trouxeram soluções de fato eficazes que agradem a “gregos e troianos”, ou seja, aos contribuintes e ao fisco?
Claro que a extinção de processos judiciais para o contribuinte, especialmente se este não foi afetado financeiramente pelo processo de execução, nos parece interessante. Em todo caso, o fisco, em regra necessita receber, o Estado precisa arrecadar, para, ao menos em tese, custear o bem da coletividade, e mesmo em se tratando de valores ínfimos, quando considerados unitariamente, de forma cumulativa, há prejuízo evidente ao erário.
Assim, se o Estado possibilitar maneiras facilitadas para que os inadimplentes possam realizar os pagamentos dos tributos em atraso de forma parcelada, com eventuais abatimentos de multa e com a concessão de descontos sobre juros de mora, as chances de recebimento, mesmo que de forma fracionada, são muito maiores.
Tal premissa é tão verdadeira que o próprio fisco tem percebido isso e lançado novos programas. Exemplo disso são manchetes de notícias recentes como as seguintes “Mais de 25 mil contribuintes aproveitam nova oportunidade de parcelamento do IPTU de Porto Alegre”[iii], “Receita reabre Litígio Zero e permite parcelamento em até 115 vezes”[iv], “Receita Federal regulamenta a “Autorregularização Incentivada de Tributos para contribuintes com débitos fiscais”[v], “ICMS/SP: Resolve Já! é regulamentado e contribuintes do ICMS podem quitar débitos com redução de multa e melhores condições de pagamento”[vi].
Todos esses programas não demonstram que o fisco está sendo benevolente com o contribuinte, mas sim, que o Estado NECESSITA ampliar sua arrecadação e assim diminuir a inadimplência fiscal.
Mas por que não facilitar o pagamento de uma dívida, que se cobrada em esfera judicial, trará ainda mais gastos à máquina pública, morosidade e até ineficiência, principalmente quando falamos em débitos tributários envolvendo valores pequenos? Isso não traria mais facilidade ao contribuinte que quer honrar com suas obrigações e maior possibilidade de arrecadação efetiva ao fisco?
Se o Estado entrar nesse consenso de que os programas de parcelamento com redução de juros e multa são mais eficazes que a cobrança judicial, especialmente nos casos das demandas de baixo montante, existe a possibilidade de haver maior eficiência na arrecadação de toda a carga tributária e, por consequência, um Judiciário menos sobrecarregado, capaz de dar vazão a outros assuntos de grande importância para a manutenção de todos os setores da economia.
[i] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/jn-2023-20230828-144606-0000.pdf
[ii] Foi estabelecido que compreende como execução fiscal de baixo valor, todas aquelas que possuem valor inferior a R$ 10.000,00. Ainda no que se refere a ausência de interesse de agir, essa ausência se refere as ações que a partir do ajuizamento não possuem movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado, ou ainda que citado, que não tenha sido localizado bens penhoráveis.
[iii] https://www.osul.com.br/mais-de-25-mil-contribuintes-aproveitam-nova-oportunidade-de-parcelamento-do-iptu-de-porto-alegre/
[iv] https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/receita-reabre-litigio-zero-e-permite-parcelamento-em-ate-115-vezes-25032024
[v] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/receita-federal-regulamenta-a-201cautorregularizacao-incentivada-de-tributos201d-para-contribuintes-com-debitos-fiscais