A importância dos Precedentes nos Processos Judiciais Brasileiros
- Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar a natureza dos precedentes judiciais, sua importância no Direito brasileiro e sua aplicação e uso em processos judiciais. Esse recorte se mostra relevante, visto que, em tese, os precedentes são utilizados como um mecanismo comportamental dos tribunais e, muitas vezes, como base e fundamentação de ações ainda a serem julgadas. No sistema de civil law, a utilização dos precedentes, ainda incipiente, visa padronizar e conferir segurança jurídica aos cidadãos. Portanto, é crucial que os operadores do direito aprendam a utilizá-los adequadamente.
O conceito de precedente judicial é um elemento fundamental em diversos sistemas jurídicos ao redor do mundo, desempenhando um papel crucial na aplicação e na evolução do direito. A formação dos precedentes judiciais envolve um processo detalhado que garante a consistência e a previsibilidade nas decisões dos tribunais. Este trabalho explora a natureza dos precedentes, sua importância, o processo de formação e as implicações para a prática jurídica.
- A natureza dos precedentes judiciais
O Código de Processo Civil de 2015 fortaleceu significativamente o tratamento dos precedentes nos tribunais brasileiros. A partir do artigo 926, estabeleceu-se o dever dos tribunais de uniformizar sua jurisprudência, utilizando mecanismos como súmulas, enunciados normativos e decisões vinculantes. Em particular, o artigo 927 determina que as decisões proferidas por tribunais superiores, em casos concretos, possuem efeitos vinculantes para decisões futuras em situações análogas.
Exemplos da importância dos precedentes incluem a Emenda Constitucional nº 45/2001, que introduziu o art. 103-A na Constituição Federal de 1988, tratando da súmula vinculante. Além disso, os artigos 543-A, 543-B e 543-C do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) introduziram técnicas de julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos, com análise de repercussão geral para recursos extraordinários, aprimorados posteriormente no CPC/2015. Esses dispositivos reafirmam a importância da uniformidade dos julgamentos.
A relevância dos precedentes varia conforme o sistema jurídico adotado por cada país. No common law, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, os precedentes são fundamentais para a construção do direito, sendo considerados vinculantes para os tribunais inferiores. No civil law, como no Brasil e na França, os precedentes possuem caráter persuasivo, servindo como referência para os magistrados, mas não os obrigando a segui-los à risca.
Os precedentes judiciais desempenham diversas funções essenciais no sistema jurídico brasileiro. Eles garantem a segurança jurídica ao uniformizar a jurisprudência, contribuindo para a previsibilidade das decisões judiciais e assegurando que casos semelhantes sejam tratados de forma igualitária. Além disso, promovem a celeridade processual, evitando a rediscussão de questões já pacificadas pelos tribunais superiores, agilizando o andamento dos processos. Também consolidam os princípios jurídicos como ferramentas para concretizar os princípios presentes na Constituição Federal e nas demais leis, aplicando-os a casos concretos.
A natureza dos precedentes pode ser compreendida através de dois princípios fundamentais: stare decisis e ratio decidendi. O princípio do stare decisis estabelece que os tribunais devem seguir as decisões anteriores ao julgar casos semelhantes, promovendo a estabilidade e a continuidade do direito. A ratio decidendi refere-se à razão ou fundamento central de uma decisão judicial, que deve ser seguido em julgamentos futuros, conferindo ao precedente sua força vinculante.
Para distinguir os precedentes das súmulas, é importante notar que os precedentes nascem de decisões judiciais em casos concretos e possuem efeito vinculante apenas para casos análogos. Por outro lado, as súmulas são elaboradas pelos próprios tribunais superiores, sintetizando o entendimento majoritário sobre um determinado tema e aplicando-se a todos os casos que se enquadram no tema abordado, independentemente da similitude fática.
- Tratamento dos precedentes em ações judiciais
Antes de analisarmos o tratamento dos precedentes judiciais nas ações, é crucial entender como se dá a sua formação como ferramenta dos tribunais, conforme delineado pelo Código de Processo Civil de 2015. A formação de um precedente judicial envolve várias etapas:
Decisão Inicial: Um tribunal emite uma decisão em um caso específico, baseada na interpretação das leis e na análise dos fatos apresentados.
Ratio Decidendi: A fundamentação da decisão, conhecida como ratio decidendi, é a parte que efetivamente contribui para o precedente. Essa fundamentação serve como referência obrigatória ou persuasiva para decisões futuras em casos semelhantes.
Publicação e Difusão: A decisão é publicada e disseminada entre a comunidade jurídica. Publicações oficiais e repositórios digitais são meios comuns de acesso às decisões.
Reafirmação e Aplicação: Quando tribunais inferiores aplicam essa decisão em casos semelhantes, o precedente se fortalece. A consistência na aplicação solidifica a decisão como um guia para futuros julgamentos.
A principal vantagem dos precedentes é a promoção da consistência e previsibilidade no sistema jurídico. Ao seguir decisões anteriores, os tribunais garantem que casos semelhantes sejam tratados de maneira uniforme, reforçando a confiança no sistema de justiça.
Embora os precedentes promovam a estabilidade, eles também precisam ser flexíveis para permitir a evolução do direito. Em situações em que a sociedade evolui ou novas interpretações se tornam necessárias, tribunais superiores podem revisar e modificar precedentes anteriores. Isso garante que o direito acompanhe as mudanças sociais e tecnológicas.
Idealmente, a formação do precedente deveria ser algo natural, emanando dos próprios tribunais ao identificar quais decisões, pela força de seus argumentos, poderiam ter impacto e apresentar força vinculante na solução de controvérsias futuras. No entanto, o que se observa no sistema jurídico brasileiro é uma formação de precedentes de maneira mais estática, com a indicação pelo legislador das decisões que serão elevadas a esse patamar. Isso é confirmado ao analisarmos o sistema de julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos e o novo incidente de resolução de demandas repetitivas. Esse mecanismo permite que, em casos de múltiplas ações com questões de direito idênticas, um tribunal de segundo grau estabeleça um precedente que deve ser seguido pelas instâncias inferiores. O objetivo é evitar decisões conflitantes e proporcionar maior celeridade e eficiência no julgamento de casos semelhantes.
Outro mecanismo importante é o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral. Esse recurso, que pode ser interposto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), visa resolver questões de relevância social, econômica, política ou jurídica que ultrapassem os interesses das partes envolvidas. Quando o STF reconhece a repercussão geral, a decisão tomada no recurso deve ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação.
Diferentemente do common law, onde o precedente é a decisão com eficácia vinculante cujo status é alcançado a depender do uso que dele será feito para a solução das controvérsias futuras, no Brasil a decisão já nasce como um precedente, dependendo da opção estabelecida pelo Poder Legislativo.
A eficácia vinculante e persuasiva dos precedentes judiciais obriga os juízos dos tribunais a quo a seguir a mesma ratio decidendi, enquanto precedentes persuasivos servem como referência, mas podem ser afastados mediante fundamentação adequada. A eficácia vinculante está relacionada à obrigatoriedade de determinadas decisões judiciais serem seguidas por juízes e tribunais. No Brasil, esse tipo de eficácia é mais claramente observado nas decisões de órgãos de cúpula, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As súmulas vinculantes, por exemplo, têm o poder de vincular não apenas os outros tribunais, mas também a administração pública direta e indireta. Elas são estabelecidas quando há repetidos julgamentos de casos similares, com o objetivo de uniformizar a interpretação constitucional e evitar decisões divergentes. Já as decisões em controle concentrado de constitucionalidade avaliam a constitucionalidade de leis e atos normativos e têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à administração pública.
A eficácia persuasiva, por outro lado, diz respeito à influência que determinadas decisões judiciais podem exercer sobre futuras decisões, sem, contudo, obrigá-las a seguir o mesmo entendimento. As decisões com eficácia persuasiva servem como referência ou argumento de autoridade, persuadindo, mas não vinculando. Exemplos incluem precedentes de Tribunais Regionais e Juízes de Primeira Instância, bem como decisões do STJ e STF em casos não vinculantes.
- Conclusão
A introdução e a consolidação do sistema de precedentes vinculantes e persuasivos são reflexos da evolução do direito brasileiro em direção a um sistema mais previsível e sistematizado. A adoção desses conceitos visa não apenas a eficiência judicial, mas também a justiça e a igualdade perante a lei.
Na verdade, se a ideia de um direito jurisprudencial é hoje uma realidade, ela não pode persistir aplicando precedentes de forma mecânica sem o cotejo com a situação concreta que se apresenta. O exercício hermenêutico é fundamental, sob pena de adotarmos um modelo brasileiro de precedentes que apenas repetirá problemas interpretativos que a própria lei já apresenta.
O confronto da tese jurídica transformada em precedente com os casos concretos que podem sofrer sua incidência é ponto de partida para que todo o sistema de precedentes construído apresente os resultados que dele se espera.
Em suma, os precedentes judiciais são fundamentais para a estabilidade e a previsibilidade do sistema jurídico brasileiro. A sua correta aplicação e interpretação garantem a igualdade de tratamento perante a lei e promovem a confiança dos cidadãos no sistema de justiça. À medida que o uso dos precedentes se consolida no Brasil, é essencial continuar a aprimorar os mecanismos e as práticas que asseguram sua efetividade, contribuindo para um judiciário mais justo e eficiente.
Referências
ARAUJO. Juliana Furtado Costa. O Precedente no novo CPC e suas implicações tributárias
SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 148.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
Enciclopédia Jurídica da PUCSP disponível em
Técnicas Para Formação De Precedentes Judiciais No Direito Processual Civil Brasileiro disponível em
Sistema Brasileiro De Precedentes Judiciais Obrigatórios E Os Deveres Institucionais Dos Tribunais disponível em