Informativo Cível

A Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Tema nº 1.210 em Julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça

A pessoa jurídica, por definição legal do artigo 49-A do Código Civil de 2002 (instituído pela Lei da Liberdade Econômica nº 13.874/2019), não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores, compreensão que já possuía previsão no artigo 20 do Código Civil de 1916, pelo qual, dispunha que: “As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros.”

Por Rodolfo Muraro Feitoza, Coordenador

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19/03/2024 15h20

Assim, em razão da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como regra, o patrimônio pessoal dos sócios não poderá ser utilizado para pagamento dos débitos da pessoa jurídica.

No entanto, tendo em vista a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, para coibir abusos e fraudes, passou-se a admitir a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a fim de que, cumprido alguns requisitos, os bens particulares dos sócios respondam por débitos da pessoa jurídica, ou, inversamente, admitindo-se que os bens da pessoa jurídica respondam por dívidas pessoais dos sócios, além da possibilidade de atingir o patrimônio de sócio oculto, ou ainda, do patrimônio de outra sociedade em casos que envolvem fraude de grupo econômico.

É certo, contudo, no que tange às relações jurídicas de natureza cível/empresarial, que o artigo 50 do Código Civil dispõe que o abuso da personalidade jurídica é caracterizado pela comprovação do desvio de finalidade (utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para prática de atos ilícitos de qualquer natureza) ou pela confusão patrimonial (ausência de separação de fato entre os patrimônios do sócio e da pessoa jurídica).

Considerando o tema, existe discussão se a ausência de bens ou o encerramento das atividades da pessoa jurídica de forma irregular pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica.

Neste contexto, diante da multiplicidade de recursos envolvendo a questão, o Superior Tribunal de Justiça, em 29 de agosto de 2023, submeteu à julgamento a seguinte questão: “Cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa.”

Embora o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça seja no sentido de que a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não enseja a desconsideração da personalidade jurídica[1], existe grande expectativa pela uniformização da questão, principalmente, por aqueles que atuam com processos judiciais envolvendo a recuperação de créditos de pessoas jurídicas insolventes, sobretudo por conta  da recorrência do tema e a ausência de uma tese definitiva sobre ele.

Com o julgamento (ainda sem data para ocorrer), os Juízes e Tribunais passarão a observar a tese fixada, aplicando a mesma conclusão para casos idênticos, conforme disposição dos artigos 926, 927, inciso III, ambos do Código de Processo Civil.

Assim, aguarda-se o desfecho desse julgamento, com a definição de critérios claros para a desconsideração da personalidade jurídica em casos de mera inexistência de bens penhoráveis ou encerramento irregular das atividades da empresa, o que trará segurança jurídica e previsibilidade às relações empresariais.


[1] AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. ART. 509 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SÚMULA 83/STJ. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Óbice da Súmula 211/STJ. 2. “A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não enseja a desconsideração da personalidade jurídica” (AgInt no AREsp n. 924.641/SP, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 12/11/2019). 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 940.420/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023.)

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