A aplicação da licença maternidade e paternidade para casais homoafetivos
A licença maternidade e paternidade são os benefícios concedidos aos empregados (as) que se tornam pais ao longo do contrato de trabalho.
Por Luana de Godoy Nogueira e Marina Sarti Hartung, advogadas
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02/04/2024 15h44
Contudo, o fato é que o mundo se modificou e novas configurações de modelo familiar vem se destacando nos últimos anos. A legislação trabalhista e previdenciária, no entanto, não acompanhou tais mudanças com a mesma velocidade, o que acaba trazendo dúvidas e lacunas em determinadas situações, principalmente porque, até então, no que diz respeito a licença maternidade e paternidade, existiam apenas normas detalhadas para casais heteroafetivos, com definições exclusivas para mulheres e homens.
Nos termos da legislação atual, de acordo com o artigo 392 da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) a mulher terá direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e salário. Nos casos da empresas adeptas ao Programa Empresa-Cidadã, o prazo é prorrogado para 180 (cento e oitenta) dias.
Já a licença paternidade tem duração de 5 (cinco) dias consecutivos a partir do nascimento, adoção ou guarda compartilhada e tem previsão legal no art. 437, inciso III da CLT, artigos 7º, inciso XIX da Constituição Federal, e no artigo 10, parágrafo 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Esse prazo poderá também ser prorrogado por mais 15 dias para as empresas participantes do Programa Empresa Cidadã.
Oportuno destacar que as licenças em questão são também válidas de forma igualitária para os casos de adoção, sendo devidos os mesmos benefícios e critérios.
Observa-se que o critério é estabelecido levando em consideração a relação familiar heteroafetiva. Entretanto, muitas outras composições familiares foram surgindo e sendo regulamentadas ao longo dos anos, o que leva a uma necessidade de adequação das normas também para estes modelos familiares, o que tem trazido dúvidas em relação a aplicação das licenças para os casos específicos.
Infelizmente a legislação brasileira ainda não chegou a um consenso regular acerca da temática, e atualmente no Congresso Nacional tramitam ao menos 13 projetos parlamentares nesse sentido, inclusive a PL 1974/21, que prevê uma licença parental onde seriam concedidos de forma igualitária 180 (cento e oitenta) dias a partir do nascimento ou adoção para homens e mulheres, independentemente de ser o casal hétero ou homoafetivos.
As soluções, por ora, são encontradas em isolada jurisprudência, especialmente no que tange aos casais homoafetivos femininos.
A situação fica ainda mais complexa, tendo em vista que muitas mulheres, mesmo não gestando o bebê, acabam optando por realizar tratamento para amamentação, o que tem influenciado diretamente em alguns julgados.
A tendência das decisões é de que a mãe que gestar a criança receberá a licença-maternidade tal qual definido em lei, pois a lei abrange qualquer mulher grávida, independente da paternidade da criança.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral sobre a possibilidade de licença-maternidade à mãe não gestante de casal homoafetivo feminino, através do Tema 1072.
Esse Tema se refere à possibilidade da concessão de licença-maternidade à mulher servidora pública em uma união estável homoafetiva, mesmo que ela não seja a gestante biológica.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a deliberar sobre a possibilidade de estender esse direito à mãe não gestante em casos em que sua companheira homoafetiva engravidou por meio de inseminação artificial de gestação heteróloga (cujo óvulo fecundado é da mãe não gestante).
Apesar de ser tratada a questão da servidora pública o caso trará, inevitavelmente, a aplicação às demais relações de trabalho de direito privado.
A discussão envolve o reconhecimento dos direitos da família homoafetiva e o acesso equitativo aos benefícios sociais, como a licença-maternidade. O questionamento é se a mãe não-gestante em uma união estável homoafetiva (i) deve ter direito à licença-maternidade mesmo não tendo gerado biologicamente a criança, (ii) deve ter direito à forma híbrida entre as duas licenças (maternidade e paternidade), (iii) deve receber o período como uma licença-paternidade ou, (iv) se nada seria concedido.
Até a pronúncia oficial do STF sobre a questão, as decisões se pautavam no entendimento jurisprudencial majoritário, de que até se permite a concessão da licença-maternidade à mãe não gestante, desde que o benefício não tenha sido concedido à mãe gestante, isto porque, segundo a maioria das decisões, não há previsão de concessão simultânea ao casal, seja ele formado por homem e mulher, por duas mulheres ou por dois homens.
Para o Judiciário, o deferimento da chamada dupla licença-maternidade, em situações nas quais ausente pactuação específica com a empresa empregadora, criaria uma distinção não prevista em lei e vai de encontro à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, terminando por violar os princípios da isonomia e da legalidade.
Algumas decisões, eram favoráveis a aplicação da dupla licença-maternidade (https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/09/27/casal-de-mulheres-consegue-na-justica-direito-a-dupla-licenca-maternidade.htm), outras concediam de forma análoga a licença-paternidade à mãe não gestante, como se verifica no julgado do TRF-4 Processo nº 5010902-08.2020.4.04.7200, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 05/10/2021, sob o argumento de que a solução mais adequada seria estender o direito à concessão da licença-maternidade à genitora gestante e a licença-paternidade à companheira não gestante, respeitando nesta hipótese o princípio da isonomia, impossibilitando distinções entre as famílias hétero e homoafetivas.
Há também decisões que concederam a licença-maternidade, mesmo que de forma dupla para mães que fizeram tratamento para amamentação mesmo não gestando a criança, afirmando que o aleitamento materno é fundamental para o desenvolvimento da criança.
A matéria que aguardava a conclusão do Ministro Relator Luiz Fux para deliberações desde novembro de 2023, foi recentemente julgada, no dia 13/03/2024, e foi fixada a seguinte tese “A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade”.
Ainda não é possível dimensionar quais serão os impactos desta decisão para os empregados não servidores públicos. Entretanto, tudo indica que os Tribunais aplicarão esta decisão de forma análoga para os empregados enquadrados nas demais relações de trabalho.
Podemos concluir que a questão da aplicação da licença-maternidade e paternidade para casais homoafetivos, especialmente no que tange às situações em que uma das parceiras não é gestante, é um tema complexo e em constante evolução jurídica.
Embora a legislação ainda não tenha contemplado de forma clara essas novas configurações familiares, o Poder Judiciário tem desempenhado um papel fundamental na busca por soluções equitativas e que respeitem os princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação.
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de estender a licença-maternidade à mãe não gestante em uniões homoafetivas é um reflexo do reconhecimento da necessidade de adequação das normas trabalhistas a essas novas realidades familiares.
Em paralelo a isso, temos a ainda a perspectiva de uma regulamentação pelo Poder Legislativo da licença-paternidade, por determinação do STF, que em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), e julgada em dezembro de 2023, definiu que a licença de cinco dias prevista no parágrafo 1º do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) há mais de três décadas é manifestamente insuficiente e não reflete a evolução dos papéis desempenhados por homens e mulheres na família e na sociedade, estabelecendo que, se o Congresso não legislar ao final de 18 meses, o Supremo fixará o prazo de licença.
Há, portanto, inclusive por força dos objetivos trazidos pela recente Lei 14.457/22, conhecida como Programa Emprega Mais Mulheres, uma tendência na equiparação de benefícios e também um objetivo de que as proteções legais viabilizem uma maior igualdade na divisão de responsabilidades parentais e que não fomentem alguns vieses inconscientes que infelizmente ainda impactam negativamente na inserção e ascensão da mulher no mercado de trabalho.
Portanto, enquanto aguardamos a conclusão do processo no Supremo Tribunal Federal e eventuais atualizações na legislação pertinente, é crucial que as empresas adotem políticas internas que promovam a inclusão e o respeito à diversidade familiar, garantindo o acesso aos benefícios trabalhistas para todos os funcionários, independentemente de sua orientação sexual ou configuração familiar.
Além disso, as empresas devem buscar assessoria jurídica especializada para avaliar as situações individuais de seus colaboradores e garantir o pleno cumprimento das obrigações trabalhistas, sobretudo em casos que envolvam interpretações mais complexas da legislação vigente.