Informativo Trabalhista

A regulamentação da Terceirização e a insegurança jurídica

10/07/2017 08h49

No artigo do Dr. Guilherme Gut, confira considerações sobre o verdadeiro alcance da nova lei sancionada e a atual posição do Poder Judiciário sobre a terceirização irrestrita.

Com a publicação da Lei 13.429/2017, em 31 de março de 2017, a imprensa passou a divulgar amplamente a nova legislação como aquela que extinguiu os limites para a implementação da terceirização, permitindo que as empresas possam se valer da subcontratação de serviços de forma irrestrita, inclusive no âmbito de suas atividades-fim.

A partir desta premissa, a chamada Lei da Terceirização, que altera dispositivos da Lei nº 6.019/74, vem dividindo o país e tem sido assunto de amplas discussões, não só no meio jurídico, mas também entre os trabalhadores e a classe empresária.

Entretanto, o presente artigo não busca repercutir a questão da Terceirização sob seus aspectos sociais e econômicos.  O objetivo é outro: clarear o verdadeiro alcance da nova lei sancionada e destacar a atual posição do Poder Judiciário sobre a terceirização irrestrita, dimensionando tais pontos como fatores de insegurança jurídica.

E o primeiro aspecto a ser abordado é o que, de fato, mudou com o advento da Lei 13.429/2017. A nova lei altera, na realidade, dispositivos da Lei nº 6.019/1974, conhecida como a Lei do Trabalho Temporário.

E afinal, qual seria o verdadeiro alcance da lei sancionada? Realmente as empresas têm segurança jurídica para, doravante sua vigência, promoverem medidas no sentido de terceirizarem quaisquer atividades?

Posiciona-se o presente artigo pelo não alcance da Lei 13.429/2017 como instrumento normativo a permitir a terceirização de atividade-fim em qualquer situação.

A impressão é de que houve certo descuido do legislador, ao buscar tratar do tema da terceirização através de lei federal que dispõe sobre o contrato temporário, muito embora ambos os institutos não se confundam e possuam engrenagens absolutamente distintas.

Para melhor ilustrar tal diferenciação, pode-se dizer que o contrato temporário é aquele no qual a empresa contratada fornece a mão de obra, ou seja, disponibiliza um trabalhador que temporariamente desempenhará serviços à empresa contratante, para atender demanda complementar ou transitória de serviço, ainda sob seu poder diretivo (da contratante).

Enquanto a terceirização, em sua mais pura emanação, é aquela em que a empresa contratante simplesmente decide retirar de sua órbita a execução de serviços e encarrega outra de executá-lo para si e em sua essência não detém caráter temporário. Neste caso, o objeto do contrato firmado não é o fornecimento de mão de obra, e sim o de serviços específicos através de uma empresa prestadora de serviços.

Por corolário lógico, não se poderia esperar que a Terceirização fosse regulamentada através de alteração de dispositivos relacionados a lei que trata de outros pressupostos e tipo de contratação, havendo assim no embrião da Lei 13.429/2017 esta imperfeição.

Não bastasse, é de se notar que o texto legal da nova norma não prevê a terceirização irrestrita, sendo somente permitida a terceirização de atividade-fim no trabalho temporário, o que, inclusive, já era permitido pelo antigo texto da Lei nº 6.019/74.

Muito embora tenha o legislador buscado a regulamentação da terceirização, objetivando tornar lícito o desenvolvimento de atividade-fim da empresa tomadora de serviços por empresa interposta, a Lei 13.429/2017 traz à tona texto legal que não permite tal conclusão.

Nesta esteira, aliás, também se posiciona o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, que em 26 de Junho de 2017 enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 5735) contra a Lei da Terceirização.

Dentre os motivos elencados na ação proposta para sustentar a inconstitucionalidade da Lei, destacou Rodrigo Janot que Quando da aprovação do PL 4.302/1998, que deu origem à lei impugnada, a imprensa divulgou a nova legislação com mensagem de que aboliria limites à terceirização e permitiria ampla subcontratação de serviços empresariais. Tal consequência não se extrai, todavia, da interpretação dos novos enunciados.”

Desse modo, há um nítido descompasso entre o que se fala a respeito da Lei da Terceirização e o que efetivamente está escrito em bojo.

Há, portanto, fortes argumentos para seja considerada inconstitucional a interpretação da atual redação da Lei 13.429/2017, que autorize contratação irrestrita de serviços em atividade-fim.

E mais um fato que evidencia esta posição, no sentido de que a Lei 13.429/2017 não autoriza terceirização na atividade-fim das empresas, é a própria reforma trabalhista, com previsão de votação em plenário do Senado Federal ainda no mês de julho de 2017.

Pouco tempo após a publicação da Lei 13.429/2017, houve solicitação pelo Relator do Projeto de Lei 6.787/2016 (Reforma Trabalhista) de nova proposta de redação para o art. 4º-A da recém-aprovada Lei da Terceirização, para que passe a constar de forma expressa a possibilidade de contratação de serviços em quaisquer das atividades da empresa contratante, inclusive sua atividade principal.

Ora, se a Terceirização já estivesse devidamente regulamentada, não faria o menor sentido que a Reforma Trabalhista em discussão já pretenda modificar seus termos.

Diante deste panorama retratado, inegável que a regulamentação da Terceirização, no atual estágio, não apresenta força suficiente para instaurar a segurança jurídica e garantir que a empresa que terceirizar sua atividade-fim não correrá risco de judicialmente ver reconhecido o vínculo de emprego direto com o prestador de serviço.

Além destas questões abordadas acerca do discutível alcance da chamada Lei da Terceirização, outro fator que contribui drasticamente para a insegurança jurídica da regulamentação de Terceirização é a posição relutante dos principais atores do Poder Judiciário para aplicação de lei que autorize a terceirização irrestrita.

Assim, como efeito indesejado desta impropriedade técnica no texto da Lei, atrelado ao posicionamento maciço de juízes, desembargadores e ministros do TST contrários à ampla terceirização na forma noticiada pela mídia, o panorama converge para uma situação de imprevisibilidade das decisões judiciais.

Prova desta imprevisibilidade é a ausência de revisão da Súmula 331 do TST até o presente momento, o que é um indicativo da incerteza quanto à aceitação da regulamentação da Terceirização.

Neste enfoque, pode-se dizer que há grande possibilidade de que a Terceirização ainda persista como tema tormentoso e controverso, ainda que sobrevenha nova mudança com a aprovação da reforma trabalhista, mormente em razão das convicções pessoais dos juízes – aplicadores da lei – que certamente encontrarão argumentação e embasamento legal para fazer valer seus entendimentos pessoais, em detrimento ao texto legal.

Prenúncio deste entendimento contrário à terceirização pode ser observado durante o 17º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, promovido pelo TRT da 15ª Região, nos dias 8 e 9 de junho de 2017, cujos temas centrais debatidos foram a reforma trabalhista e a Terceirização.

Na ocasião, os palestrantes – Desembargadores e Ministros – posicionaram-se de maneira radicalmente contra a reforma trabalhista, destacando ainda os malefícios da terceirização irrestrita, deixando claro que entenderiam pelo julgamento contrário à terceirização ampla.

Outro indício desta insegurança jurídica é um “manifesto” assinado por 60% dos Ministros do TST, onde defendem que vislumbram na reforma cerca de 50 lesões graves de direitos e que o projeto libera a terceirização de forma irrestrita (http://www.conjur.com.br/2017-mai-25/17-ministros-tst-assinam-documento-reforma-trabalhista).

Ora, se a maioria do TST, órgão da Justiça do Trabalho responsável pela uniformização da jurisprudência em âmbito federal, previamente se revela contrária à terceirização irrestrita e outras reformas, parece-nos um tanto evidente que não economizarão esforços para torná-las sem efetividade, principalmente ao argumento de que atentam contra princípios constitucionais que não podem ser suprimidos.

É simples perceber que, com a imprevisibilidade das decisões judiciais, cai por terra o princípio da proteção da confiança, consistente na ideia de que o cidadão tem o direito de confiar nos atos emanados dos poderes públicos.

As consequências da falta de previsibilidade nas decisões são evidentes – a desconfiança geral, o receio em investir, a incerteza dos trabalhadores sobre seus reais direitos e a impossibilidade dos empresários serem orientados de forma segura sobre o que é, ou não, permitido pela legislação.

Diante do cenário retratado, podemos concluir que a regulamentação da Terceirização não se encontra no seu capítulo final e a única certeza a emergir deste quadro é a insegurança jurídica, não havendo como assegurar a validade de medidas que promovam a terceirização de atividade-fim no atual estágio legislativo.

Artigo: Dr. Guilherme Gut Sá Peixoto de Castro, Advogado Trabalhista CZAA

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