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Artigo: Impactos da Nova Legislação Processual na vida do Empresário – Preocupações e Alívios

08/08/2016 09h34

O Novo Código de Processo Civil trouxe alguns desafios para empresários e advogados. Mas também apresentou alguns alívios! Confira nosso artigo.

Em tempos de crise, o empresário brasileiro é desafiado a estar a par de todas as mudanças legislativas que poderão causar impactos em seus negócios. A crise econômica brasileira provocou na classe empresarial o repentino achatamento de seu lucro, de forma que é imperioso estar atento às alterações impostas pela legislação recente.

Neste cenário, o novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, foi elaborado com ênfase na solução definitiva dos processos cíveis de forma célere e juridicamente segura. O antigo Código, preso como estava ao espírito formalista de seu tempo, havia esgotado sua capacidade de atualização e demandava renovação integral do texto.

Com o que os empresários devem se preocupar
?

A objetividade, agilidade e segurança jurídica do Novo Processo Civil virão com um preço: o encarecimento e a magnificação dos processos. E engana-se quem pensa que o advogado “tábula rasa” terá mais capacidade de adaptação ao novo sistema do que aqueles experimentados no antigo sistema, pois a nova lei requererá das empresas uma assessoria jurídica mais robusta.

Vejamos um exemplo simples. O novo Código confere preferência à prática de atos processuais por meio eletrônico, em evidente prestígio à economia de tempo e recursos, mas, ao mesmo tempo, exigindo adaptação dos procedimentos internos das empresas.
Com efeito, se por um lado, a citação por via eletrônica evita o extravio das comunicações (mesmo dentro da própria empresa), por outro, todas as empresas de médio e grande porte deverão manter cadastro atualizado junto ao Tribunal da região onde têm estabelecimento de forma obrigatória (até agora não implementada porque o próprio Poder Judiciário ainda não conseguiu desenvolver tamanho aparelho de forma satisfatória).

Mas não será somente a virtualização que impactará a citação da empresa processada. O novo Código passou a permitir que o mandado de citação seja entregue a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência em condomínios edilícios (aqui inclusos, naturalmente, os comerciais), e também que as citações, intimações e penhoras processuais podem ser realizadas antes das 6 horas e após as 20 horas, inclusive em feriados e períodos de férias forenses, independentemente de autorização judicial.

Desta forma, enquanto não instalada a citação eletrônica em todos os Tribunais, a empresa que tem estabelecimento em condomínio comercial deve estar atenta aos procedimentos de portaria de seu prédio, exigindo que estes se adaptem a possibilidade de comparecimento de oficial de justiça fora do horário comercial e que orientem seus funcionários a agir cuidadosamente neste tipo de circunstância, até porque o próprio condomínio pode vir a ser responsabilizado.

Porém, há modificações muito mais significantes.
A possibilidade de redistribuição do ônus da prova, por exemplo, permite que o dever de provar os fatos seja atribuído ao réu, e não ao autor da causa, desde que tal medida não gere um encargo impossível ou excessivamente difícil. Este tipo de decisão excepcional é tomado no interesse de conferir fundamentos para o julgamento da causa, o que, contudo, determinará às empresas a produção e preservação de documentos antes potencialmente dispensáveis.

Já no tocante aos custos de realização de audiências, o novo CPC preferiu estabelecer a obrigação de as partes a comparecerem à audiência de conciliação antes mesmo da apresentação da defesa, o que, além de reconhecer o Poder Judiciário como instrumento de composição das partes, elevou os custos totais do processo.

Maior energia, porém, tem sido aplicada na vinculação dos chamados precedentes judicias. Segundo a nova lei, Juízes e Tribunais estarão vinculados às decisões tomadas em Tribunais Superiores. Na prática, a nova sistemática confere aos juízes de primeira instância uma série de ferramentas jurisprudenciais para a rápida resolução de múltiplos processos.

Por seu turno, tanto Juízes quanto Tribunais têm a sua disposição outra ferramenta derivada do sistema de precedentes judiciais, o chamado “incidente de resolução de demandas repetitivas” (IRDR). As partes, o Ministério Público ou o próprio magistrado, verificando existir processos repetidos sobre uma mesma questão de direito, e diante do risco de resultarem em julgamentos díspares, podem requerer ao Presidente do Tribunal que instaure um IRDR para uniformizar o entendimento a ser aplicado no âmbito daquele Tribunal. A instauração do IRDR suspende todos os processos sobre a mesma matéria até que ele seja julgado, e a tese resultante dele é de observação obrigatória por todos os magistrados do Tribunal.

Por outro lado, o novo CPC aumentou os poderes de entrega do resultado final por parte do Juiz fora das hipóteses de vinculação a precedentes judiciais, como é o caso do “julgamento parcial antecipado do mérito” e da “tutela da evidência”.
Enquanto no primeiro caso, passa a ser permitido ao Juiz julgar antecipadamente alguns pontos do processo, dispensando dilação probatória e dando azo à execução provisória da sentença, no segundo, o Juiz passa a poder entregar antecipadamente a coisa ao autor (ainda que de forma provisória) pelo simples fato de que aquela parte demonstrou que sua pretensão tem alta probabilidade de sucesso e a defesa apresentada é abusiva ou protelatória.

Diante de todas estas inovações, a assessoria jurídica básica ao empresário deve ser aquela experiência no controle de contingências e provisões, pois contam com o know-how adequado ao sistema dinâmico nascido com a nova legislação processual cível. Algumas grandes empresas já contam com este tipo de assessoria, e seu zelo e investimentos foram agora novamente recompensados por estarem mais bem adaptadas do que outras empresas.

No entanto, empresas e escritórios de advocacia devem passar a investir no monitoramento da evolução de precedentes nos Tribunais, pois, naturalmente, os IDRDs e ICAs tornar-se-ão os casos mais importantes a nível regional e podem ensejar a condenação de ações não mais em nível individual ao longo dos anos, mas em blocos de centenas ou milhares de uma vez só, dando novos desafios para formulação de políticas eficientes de acordo judiciais e de compliance.

Não bastassem todas estas particularidades, o novo sistema recursal concebido pelo legislador também torna o procedimento ainda mais caro conforme as partes pretendam alongá-lo, especialmente (mas não exclusivamente) quando realizado por meio de medidas meramente protelatórias. Fora as conhecidas penalidades a quem age em má-fé e de forma atentatória à dignidade da justiça, o sistema agora conta com a condenação em honorários advocatícios a cada novo recurso interposto antes do trânsito em julgado e junto às multas devidas na fase de execução, de modo cumulativo àqueles arbitrados em sentença.

O que os empresários têm a comemorar?
De imediato, os empresários devem sentir maior segurança na execução (busca judicial de créditos) de bens particulares por dívidas de uma determinada empresa, a denominada “desconsideração da personalidade jurídica”. Antes, sem lei que a regulasse, os Juízes tinham liberdade para primeiro penhorar bens e depois abrir oportunidade para defesa, o que causava imenso transtorno para empresários e advogados. Agora, o Juiz deve paralisar a execução e abrir prazo de 15 dias para defesa prévia do sócio incluído no processo.
Ainda sobre execução, foi dada atenção à situação particular do setor imobiliário, pois foram tornados impenhoráveis os créditos obtidos na venda de unidades imobiliárias, desde que utilizados na execução da obra. Em tese, isto permite que a empresa incorporadora crie um patrimônio separado para pagamento das despesas de cada empreendimento, a salvo da penhora judicial, garantindo a continuidade das obras.

Por sua vez, o sistema de recursos às decisões foi simplificado e seus prazos foram uniformizados. O caminho até as decisões finais se tornou mais reto, e o procedimento para recorrer, mais previsível. O novo CPC prevê que os recursos devem ser aproveitados ao máximo, e não mais serem rejeitados por erros simples (como preenchimento equivocado de guias de preparo recursal ou relapso no seu pagamento).
Em verdade, os Juízes e Tribunais que agora detectarem toda sorte de erros processuais devem indicar sua existência às partes e abrir oportunidade para sua correção. Desse modo, evita-se o encerramento do processo por tecnicalidades, que, na prática, importam na distribuição de novas ações, e, consequentemente, mais trabalho e preocupação.

Com estas inovações, a expectativa é que a nova legislação reflita positivamente nos procedimentos junto a outros órgãos para os quais suas regras podem servir de fonte subsidiária ou suplementar, a exemplo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O novo Código tem como regra geral (apresentada logo entre seus primeiros dispositivos) que não será proferida decisão contra uma parte sem ouvi-la antes, a qual esta sendo chamada de “vedação à decisão surpresa”. Em assim prevendo, a nova lei procura atenuar a tensão e aumentar o controle das partes sobre a condução do processo.

Há ainda outras disposições que procuraram reduzir o stress processual. Muito se diz que a nova contagem de prazos processuais apenas em dias úteis e a previsão de “férias” anuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro vêm em benefício dos advogados, mas a dilação e a postergação dos prazos ajudam sobremaneira os fluxos internos de documentação e pagamentos das empresas, além de oferecer uma oportunidade anual para as empresas organizarem seus departamentos jurídicos ou inclusive auditá-los.

Infelizmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se posicionou contra a contagem de prazos apenas em dias úteis e há uma crescente rejeição da regra também no Direito do Consumidor e Juizados. Porém, ainda não está claro como a Justiça Federal e do Trabalho se comportarão diante das “férias” do novo CPC, uma vez que existe norma federal específica para recessos forenses nestes Tribunais, com período menor. Resta aguardar que projetos de lei venham a unificar as matérias em favor dos cidadãos.

Todavia, no momento, maior ainda é a discussão sobre a aplicabilidade da mais relevante modificação trazida pelo novo Código, os chamados “negócios processuais”, que possibilitam que as partes estipulem “mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.
Em outras palavras, a depender do caso, poderá constar nos contratos firmados pela empresa uma cláusula que determine como serão pagos os honorários do eventual perito judicial, combinem que as intimações sejam enviadas por e-mail, modifiquem prazos ou determinem o julgamento antecipado da causa, sem oitiva de testemunhas. Mesmo as condições que não estiverem contratualmente acertadas podem ainda ser convencionadas durante o processo.

Este preceito tem potencial revolucionário, ainda que a prática forense o amortize, pois fará com que as partes fiquem expostas a mecanismos típicos dos tribunais arbitrais (muito recorridos pelas corporações mundo afora – ainda de tímida utilização no Brasil) e denotará a necessidade de mudança de cultura processual no país.

Com efeito, para fins de efetivar estes poderes que o novo CPC põe à disposição das partes, já se discute, por exemplo, a necessidade de maior sinergia entre o advogado que elabora os contratos e aqueles que atuam no contencioso, para que a defesa dos interesses da empresa não reste prejudicada por descompasso de informações.

O clima de furor entre os processualistas cíveis, contudo, não encontra reflexo nos ramos do Direito em que se cuida de relações jurídicas desequilibradas, tais como o Direito do Trabalho e o Direito do consumidor. O TST inclusive já adiantou sua posição de que são inaplicáveis as negociações processuais na forma do novo Código. Contudo, tudo ainda está sujeito a mudanças.

Estes são, a nosso ver, os impactos mais significativos, a curto e médio prazo, na vida do empresário considerada a larga influência que a nova legislação exercerá em vários ramos do Direito. Vê-se que não será necessário realizar uma simples alteração das teses processuais já consagradas nos escritórios e departamentos jurídicos, mas um esforço conjunto de longo prazo na adaptação da rotina da empresa aos novos procedimentos.

Artigo por Henrique Zalaf, sócio gestor da área cível | CZAA

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